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No ar na marra e na lei

No ar na marra e na lei

A história da Rádio Comunitária Diversidade, localizada no bairro do Jardim Veneza, na nossa belíssima capital paraibana João Pessoa, que Zé Ramalho chama de Jardim das Acácias, é uma história de luta. Primeiro funcionou através das caixinhas dos postes, e depois ouviu-se seu som ecoar até as brenhas do interior da Paraíba, chegando até Sapé, a algumas dezenas de quilômetros de João Pessoa. Porém, por não ter apadrinhamento político e funcionar de maneira totalmente independente, foi fechada. Reabriu e chegou a funcionar na web para todo o mundo. Depois, por falta de recursos voltou a funcionar só nas caixinhas nos postes. Agora, depois de pagar uma multa ao governo federal, e ser aprovado em todos os requisitos, a Rádio Comunitária Diversidade está aguardando ter autorização para funcionar dentro da lei na cidade. Em alguns dias, a rádio vai funcionar na web, para todo mundo. Marcelo Ricardo (twitter: @marcel0_ricardo), o grande lutador, e seu amigo Victor da Silva Pinheiro (twitter: @victorgeo10), o presente escritor, esse que vos fala, seremos os responsáveis para a volta da rádio na web, na internet. Enquanto os outros gamas de amigos estão na luta para a rádio voltar a funcionar legalmente em João Pessoa. Depois que a rádio nasceu, uniu os diversos bairros em torno do Jardim Veneza. Estamos na espera e vamos funcionar na marra e na lei. Primeiro na marra, através da web rádio, e depois na lei, pela freqüência da FM. Nós, verdadeiramente somos o traço mais puro da comunidade. O twitter da rádio é: @diversidadenoar e o site é radiocomunitariadiversidade.com

Autor: Victor da Silva Pinheiro – WWW.recantodasletras.com.br/autores/victorgeo10

Perder a batalha não significa perde a GUERRA


Perder a batalha não significa perde a GUERRA

Até já contei essa história. O cara botou no juízo que deveria jogar no ar uma rádio comunitária. Juntou mais uns quatro ou cinco amigos, fez uns arranjos no quartinho dos fundos da casa e comprou os equipamentos básicos de uma estação de rádio de baixa potência, com a ajuda do irmão, avó, vizinhos e conhecidos. Depois, muitas alegrias, sensação de compartilhamento comunitário, o povo se juntando, o pastor delirando com a possibilidade de pregar seu evangelho, as moças catequistas, os poetas, os forrozeiros, a turma do hip hop se chegando, o moço que gosta de Roberto Carlos, todo mundo querendo transmitir sua graça, seu apelo, sua palavra de carinho, sua música preferida, seu dengo, sua esperança, sua mágoa, sua reclamação e a mensagem chegando limpinha, magicamente clara nos rádios das casas.

Por um momento, aquele grupo de jovens teve a sensação estranha de que a vida é justa e não é tão ruim morar numa comunidade distante, pobre e esquecida. A rádio comunitária, que tem a principal função de fornecer serviços e voz à sua comunidade, é fundamental pra uma população que só é notícia nas rádios comuns quando acontece um crime no bairro. Foi quando formaram a diretoria, o conselho e todas as exigências legais para pedir autorização ao Governo para utilizar o canal que é público.

O Governo fez ouvidos de mercador e a rádio continuou transmitindo. Foi quando a denúncia feita pelos políticos e empresários trouxe a polícia federal que apreendeu todo o equipamento, processou os responsáveis e multou a rádio em quase três mil reais.

Mas ninguém nasceu pra vítima e perdedor. A comunidade volta a lutar pela rádio, cotizando-se para pagar a multa e comprar novamente os equipamentos.

Na foto, os protagonistas da história da Rádio Comunitária Diversidade do Jardim Veneza, em João Pessoa: Marcelo Ricardo, Danielle Evangelista, Ricardson Dias e Márcia Silva .

Um ambientalista uiva para a lua no subúrbio distante


Um ambientalista uiva para a lua no subúrbio distante

Cleiton não tem culpa de nada. É apenas um cumpridor de ordens.

--- Vamos acabar com essa festa que a rua é residencial e vocês não têm permissão para fazer barulho.

Cleiton é um incoerente que pensa que tem alguma autoridade. Não houve resistência. Todo mundo saiu do clubezinho de subúrbio, foi zonar por aí, outros foram para casa, meio irados da vida. O dono da festa e responsável pela rádio comunitária ainda tentou argumentar que a festinha era para arrecadar dinheiro para pagar a multa que a ANATEL aplicou na emissora da comunidade.

Cleiton não tem condições de entender a importância daquela estação de rádio para o povo da localidade. Nem imagina como aquele projeto de rádio estimulava a rapaziada a ser alguém, a vencer a pobreza, a esquecer o apelo da droga e gostar de si. Cleiton, na sua imensa debilidade, nem desconfiava da transcendência daquele projeto de comunicação popular.

Com o boleto da multa da ANATEL na mão, o rapaz da rádio ficou no meio da rua, pensando numa maneira de reagir. Quando o carro da Secretaria do Meio Ambiente dobrou a esquina, ele reuniu os amigos e desceu a rua convidando todo mundo a voltar para a festa, onde os músicos já encaixavam os instrumentos.

Vamos continuar a festa que eles já foram embora.

Para prevenir, fica alguém na torre da antena da rádio. Se eles voltarem, a gente dá o sinal – disse um dos rapazes.

Partiram para a ação. Enquanto dois cabras subiram na antena, para vigiar a Secretaria do Meio Ambiente na pessoa do famoso Cleiton, os demais botaram som na caixa e o forró voltou a soar na rua suburbana. Os frequentadores da festa surpreendem pela persistência. Todos voltaram ao clube, menos um. Totinha deu a volta no quarteirão e foi encontrar Cleiton para reafirma a importância do evento para rádio .

Cleiton é um pusilânime que gosta de mostrar força diante do mais fraco. Parou uma patrulha da polícia que passava, falou com o sargento e seguiram para a rua da rádio comunitária. O sargento, da mais alta sabedoria bélica, já desceu da viatura cercando o clubezinho, com sua pistola na mão. Uma roda de amigos conversava no fim da rua. No clube, apenas os músicos guardando os instrumentos e o menino da rádio com o papelote da multa na mão. Foram avisados pelos cabras da torre.

Cleiton, com a dignidade de quem exerce a plenitude do poder, trata mal o rapaz da rádio e ameaça: Se voltar a fazer festa passo uma multa das grandes pra vocês !

O menino da rádio, apesar dos pesares, tinha alguma deferência ao Cleiton. Achava que a sua alma jamais seria corrompida por uma oferta de propina. Com seus impostos para o crescimento da nação, o empresário dono da rádio comercial que opera ilegalmente não demonstrava nenhum respeito com Cleiton, nem com a Semam e muito menos com a Anatel. Comprava todos no varejo e no atacado. Mas o garoto radialista sabia qual é o seu lugar. Como convém à sensatez das elites, é preciso que muitos cleitons sirvam de cão de guarda nos arrabaldes e cercanias miseráveis no meio da noite suburbana e sem som.

Fábio Morzat

Aplausos para dona Célia do Jardim Veneza

.......................O que faz uma dona de casa ceder um cômodo de sua residência para um grupo de rapazes e moças instalar uma rádio comunitária, mesmo sabendo dos riscos que corre? E se essa mesma dona de casa achar a ideia tão generosa e boa que passa a fazer parte do projeto, dando sua contribuição no apoio logístico, na solidariedade e força à equipe? É acreditar que a solidariedade e a união dos simples gera saberes e simpatia, ternura, conforto e assistência moral para pessoas que não têm quase nada.

Foi isso que levou dona Célia a se tornar uma combatente e construtora da Rádio Comunitária Diversidade, no bairro pobre do Jardim Veneza em João Pessoa. Mobilizou os vizinhos e amigos para dar força à rádio, fez rifas, festas e outras atividades para levantar recursos. Com esforço e sacrifício, adquiriram os equipamentos da rádio de baixa potência e a festa começou. Foram seis anos no ar com programas educativos, entrevistas, música da boa e participação ativa de vários atores da cena periférica local, que podia ser um técnico de enfermagem passando dicas de saúde, um professor, a enfermeira do posto de saúde, os artistas e lideranças comunitárias. A rádio criou um vínculo muito forte na comunidade.

Um dia, chegou a polícia. Agentes da PF e da Anatel pararam o carrão preto na porta da rádio e tentaram entrar. “Aqui não entra ninguém sem documento do juiz”, disse dona Célia, enquanto o locutor do horário escapava com o transmissor pela porta dos fundos, repassando para o vizinho que passou outra vez para o vizinho seguinte, numa operação de salvamento montada e ensaiada. A corajosa Célia enfrentou a Polícia Federal em nome de sua rádio, de sua gente, dos vizinhos e agregados ao projeto de comunicação popular. Todos foram processados, a Justiça desempenhou seu papel multando pesadamente os responsáveis pela rádio e o silêncio voltou à comunidade, a não ser pelas caixinhas de som nos postes que continuam teimosamente a demonstrar que o povo precisa ter voz.

No programa “Alô comunidade”, que eu apresento todos os sábados na Rádio Tabajara AM e em mais seis rádios comunitárias, dona Célia conta porque passou a amar o projeto de rádio comunitária, fala dos políticos e aproveitadores que rondavam a emissora e que depois da repressão sumiram todos. Um libelo acusatório de quem fala com a voz da razão e do combate solidário. Dona Célia sempre lutou por uma vida mais digna para sua família e para seus vizinhos. Ela conta que os primeiros tempos na comunidade foram difíceis. Porém, sempre houve muita união e solidariedade entre as famílias. “A imprensa só fala mal de nosso bairro, eles têm preconceito, só somos notícia quando acontece um crime”, diz ela. “Mas a união e cooperação nos fez vencer e construir o que temos hoje”, fala orgulhosa. O que ela chama de vencer é ter uma casa para morar e uma família bem encaminhada.

O meu veemente aplauso a dona Célia, já indicada para receber o Prêmio Leonilla Almeida do Ponto de Cultura Cantiga de Ninar, oferecido às mulheres destemidas e dedicadas ao bem comum.

Leonilla Almeida foi uma combatente revolucionária, nascida em Itabaiana, presa em 1935 na Ilha Grande, no Rio de Janeiro, juntamente com seu esposo Epiphanio. O casal virou personagem do romance “Memórias do Cárcere”, do escritor alagoano Graciliano Ramos. O prêmio é uma forma de preservar a memória dessa mulher corajosa e sonhadora, que lutou pela igualdade entre as pessoas.